21 de setembro de 2010
Criança - Tempo de Criar
Por Carla P. Diz
CRP 08/05424
Pensando em falar da infância, fui em busca das minhas experiências e da origem das palavras que nos remetem a este tempo. Encontrei que a palavra ‘infante’ tem origem no Latim e a sua forma erudita – (infans)- infantia - (infância), designa estado de criança que ainda não fala, ou fala imperfeitamente. Já em outra fonte encontrei que é o período de crescimento, no ser humano, que vai do nascimento até a puberdade; meninice.
Criança, também se origina do Latim e é a soma de duas palavras: Criare + Ança (Antia). Criare – (Tirar do nada, dar existência) e Antia – (Ação contínua, duração, continuação). Então temos : CRIANÇA - Tempo de Criar.
No corre-corre dos nossos dias, esquecemos de nos questionar acerca da origem de posições e lugares que parecem ter sido sempre assim ou posições e lugares que se apresentam como deterministas; mas pagamos caro por isso, com o sofrimento traduzido em sintomas (da época em que vivemos). Hoje escutamos muitas frases que nos parecem corriqueiras: - Os especialistas dizem..., -O Doutor(a) recomendou..., - Hoje em dia não se usa mais fazer isto..., Os especialistas descobriram e recomendam... . Em relação a este assunto (criança) nem sempre se agiu e pensou assim como agimos hoje, ciranda onde os direitos da criança são enaltecidos, a revelia da imposição de limites e da falência da função paterna.
Philippe Ariè , em História Social da criança e da Família, nos traça uma trajetória que demonstra os diferentes lugares que a criança tem ocupado nas expectativas dos pais e perante a sociedade. Ele coloca a relevância do papel do cristianismo na enaltação da criança e do que vem a ser hoje a posição : “Sua majestade, o Bebê !” No século XVII, nas sociedades pré industriais, onde se tinha como característica serem ‘duras’, não se era terno um com o outro e não havia sensibilidade à flor da pele, sofria-se e morria-se cedo. Neste tempo se deu o auge do que os historiadores chamam de infanticídio tolerado e os bispos passaram a proibir com veemência que as crianças dormissem nos leitos dos seus pais, pois elas tinham o estranho mau hábito de acordarem mortas, deixando claro que havia o hábito de deixar morrer ou de asfixiar filhos não desejados no leito conjugal. Estava dado nesta época que somente depois de batizados é que havia uma perda de um membro da comunidade, (ainda não eram filhos de Deus!) Este fator originou o batismo precoce dos cristãos, pois Roma tratou de tornar este ritual o mais precoce possível. Ariès propõe que esta questão (asfixia de bebês) seria comparável/equivalente hoje ao que é o conflito e debate a respeito do aborto.
O Cristianismo introduz algo novo e marcante na história da humanidade: A contagem do tempo passou a ter como referência o nascimento de uma criança, símbolo da aliança de Deus e o Homem. A máxima do ideal do reinado das crianças no céu è : “ Vinde a mim as criancinhas, pois delas é o reino dos céus.” O equivalente pode ser que os adultos deveriam se parecer com elas (crianças) para conquistarem a graça divina. Esta profecia detona o primeiro extermínio em massa de crianças, determinado por Heródes, por medo de perder o trono para um menino: o menino Jesus; medo este que se concretiza e torna-se verdade: “ A CRIANÇA REINA”.
A ascensão da infância ao primeiro plano enquanto conceito e preocupação específicos é contemporâneo ao declínio do poder do pai na família e na sociedade. A família torna-se território estratégico e limite onde os conflitos entre o público e o privado se dão. Estes limites determinam o modo de sentir, viver, amar e morrer; limites estes que variam conforme os discursos predominantes de época histórica e suas gerações.
Voltando um pouco a história, mas agora enfatizando o lugar do pai, até meados do século XIX, o pai ocupava o lugar de rei e soberano sobre os filhos e mulher. O direito, a filosofia, a sociedade e a política outorgam e justificam a sua autoridade. O pai tem duplo poder, na esfera pública e na doméstica : - As decisões fundamentais cabem a ele! (profissão dos filhos, onde estudar, as alianças matrimoniais, o que fazer com o tempo, é provedor principalmente quanto ao aspecto financeiro). É um pai adorado e vigilante, déspota e odiado. Época do reinado do pai imaginário, onde sua potência confundia-se com a própria lei.
Em paralelo a este fato, o declínio desta função, ocorre um fenômeno interessante, a progressiva valorização do lugar da criança. O filho, no decorrer do século XIX vai ocupar cada vez mais o centro da família. É objeto de todos os investimentos (econômico, educativo, existencial e afetivo). No decorrer dos séculos XIX e XX, assistimos ao peso crescente de um olhar exterior lançado sobre a família. Juizes, médicos, assistentes sociais, psicólogos e outros fazem entradas no privado da família, em nome de um ‘suposto’ interesse da criança, dirigindo-se a esta como um ser social de quem o estado se ocupa progressivamente. A família fica cada vez mais restringida em sua função e os pais cada vez mais olhados com desconfiança quanto a sua competência para educar os filhos. Surge, então, a puericultura na virada do século (Puericultura : conjunto de técnicas empregadas para assegurar o “perfeito” desenvolvimento físico, mental e moral da criança desde o período da gestação até a puberdade). Surgem ,também, os especialistas na infância, cuja interferência chega a tal ponto que B. Bettelheim é levado a dizer aos pais para não suporem tantos saber aos especialistas, para recorrerem mais ao seu próprio bom senso e intuição paternos e maternos. É importante ressaltar que o saber suposto está cada vez menos ao lado dos pais. Os castigos físicos são cada vez mais questionados e abominados, juntamente com restrições ao pátrio poder.
A infância torna-se cada vez mais o centro das atenções e é promovida à idade fundadora da vida, objeto de discussões exaltadas de discursos e observações. Até meados do século XIX, o pai ocupava o lugar de rei soberano. De lá para cá seus poderes vêm diminuindo e seu lugar é cada vez mais incerto. Não terei tempo de desenvolver, mas posso citar a veemência com que o discurso da ciência se coloca, prometendo o gozo em acúmulo de um saber totalizante (promessa da globalização!) O fracasso da ciência em trazer a felicidade hoje é depositado na esperança de que a criança realize um ideal de felicidade e completude que seus pais fracassaram em realizar. Um ideal que faz da criança uma testa-de-ferro da negação da castração, negação da falta-a-ser que a linguagem instaura. A criança é um ser de linguagem e esta foi uma importante descoberta da psicanálise.
Coloco agora algumas questão que há muito me incomodam também na clínica: Quais os efeitos destes fatores na vida das crianças de hoje? O que elas tem de criar , ou melhor, como elas poderão se criar frente a esta constante que se impõe (falência da função paterna e conseqüente negação da castração) Poderá haver uma ação preventiva para estes fatores?
Em todas as épocas, conforme se vê nos livros de história, na vida social a criança orgulhava-se, vangloriava-se das conquistas de seus pais. Hoje em dia, é o contrário, é a criança que precisa carregar todo o peso das insatisfações e impotências de seus pais. Penso haver pelo menos dois momentos ímpares para lidar com a situação de prevenção a patologias dos adultos, durante a gestação(tempo que vai remexer em fatos e vivências que vão remetê-la a sua infância), onde esta ‘mãe’ vai supor, inventar, criar e, enfim, desejar acerca desta criança que está por vir e formar vínculos com este que poderão ser fundantes e direcionadores desta infância; e também durante a adolescência, onde um revirão na estrutura está prestes a acontecer .
Fonte: www.maiscrianca.com.br
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