26 de novembro de 2009
Mendicância Infantil. Crime ou necessidade?
Mendicância é crime. A quem cabe fiscalizar?
Por desinformação, ausência de dinheiro ou escolaridade, os pais, ou responsáveis, acabam por incentivar os jovens a irem às ruas. Porém, as normas judiciárias são bem claras ao estipular a ilegalidade da mendicância. Com a prática, prevista em Código Penal, Lei das Contravenções Penais e Estatuto da Criança e do Adolescente, a responsabilidade cabe aos adultos em zelar pela integridade dos menores.
Como conseqüência, até mesmo a perda da guarda pode acontecer, quando são comprovadas humilhações, maus-tratos, vexame e riscos, segundo explica o advogado Hélio Leitão, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, secção Ceará (OAB-CE).
No entanto, diante da realidade atual, pergunta-se como estão sendo feitas a fiscalização e a punição dos adultos que permitem, induzem ou obrigam os jovens a essa prática que, pela lei, é criminosa?
Como responde a delegada Ivana Timbó, titular da Delegacia de Combate à Exploração de Crianças e Adolescentes (Dceca), as intervenções dos poderes públicos são através dos programas assistenciais. Até porque, como disse, “as cadeias estão lotadas, com criminosos de alta periculosidade”.
Para Hélio Leitão, o necessário para minimizar a quantidade de crianças seriam ações policiais, ao lado de programas sociais voltados para as crianças e, principalmente, para as famílias. “Não bastam só ações repreensivas. As famílias precisam ser capacitadas. Essa é uma realidade muito triste”, opina o advogado.
Conforme acrescenta Ivana Timbó, as bolsas de benefícios mantidas pelos governos devem ser ampliadas, a fim de que cheguem a uma maior quantidade de pessoas possível. “Ninguém vive da caridade dos outros. O ser humano precisa ter dignidade. As famílias não podem colocar as crianças em situações de risco. Também corremos o risco de ter uma sociedade problemática”, argumenta.
Ao partir do princípio de que os programas sociais são os mais indicados para intervir junto às famílias e crianças, esbarra-se no investimento financeiro destinados. De acordo com o sociólogo Domingos Abreu, para continuarem os trabalhos assistenciais junto às famílias é essencial que aconteçam mais investimentos. Para ele, existe a preocupação por parte do poder público. Apesar de, muitas vezes, estimularem a ida dos jovens ao abrigo, quando este é apenas um paliativo para a situação. “Os abrigos devem ser a última opção e, sobretudo, só de passagem para os jovens”, afirma o educador social Nei Robson.
Segundo ele, os recursos escassos comprometem a manutenção das atividades voltadas para as crianças, que, dessa forma, persistem em voltar no dia seguinte aos sinais. “Precisamos fortalecer as políticas públicas para as crianças e adolescente, começando pelo orçamento que é reduzidíssimo”.
A partir daí, o educador social também chama atenção para outro ponto na permanência dos jovens em logradouros públicos. Em relação à fiscalização, ele também frisa que a responsabilidade não é só do Estado. A sociedade tem um grande papel no combate à exploração dos adolescentes que se encontram mendigando ou trabalhando nas vias.
Como disse o educador, enquanto as pessoas continuarem doando esmolas, comprando os doces e outros artefatos, a mendicância e exploração do trabalho infantil continuarão sendo um negócio rentável para os que persistem em enviar as crianças e os adolescentes aos sinais movimentados.
FIQUE POR DENTRO - Punição prevista para os adultos responsáveis
O Código Penal, no inciso IV do artigo 247, considera que é crime permitir alguém menor de 18 (dezoito) anos e sujeito a seu poder ou confiado à sua guarda ou vigilância: ´mendigue ou sirva a mendigo para excitar a comiseração pública´. Nesse caso, o responsável está vulnerável a penas de detenção, de 1 (um) a 3 (três) meses, ou multa.
O decreto-lei de nº 3.688, de três de outubro de 1941, chamado Lei das Contravenções Penais estabelece, no artigo 49, que ´entregar-se alguém habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de sobrevivência, ou prover a própria subsistência mediante ocupação ilícita´, gera pena de prisão simples, de 15 dias a três meses.
Como parágrafo único, o artigo indica que ´a aquisição superveniente de renda, que assegure ao condenado meios bastantes de subsistência, extingue a pena´. Também sobre o tema, o artigo 60 prevê que mendigar, por ociosidade ou cupidez, gera a pena de prisão simples, de 15 dias a três meses.
No entanto, em parágrafo único, o decreto indica que aumenta-se a pena de um sexto a um terço, se a contravenção é praticada ´a) de modo vexatório, ameaçador ou fraudulento; b) mediante simulação de moléstia ou deformidade; c) em companhia de alienado ou de menor de 18 anos´.
ASSISTÊNCIA - Pais rejeitam a abordagem dos educadores sociais nas ruas
Nem sempre as crianças estão sós entre os carros, o barulho e o tráfego constante nas ruas da Cidade. Por vezes, os pais ficam à espreita acompanhando a movimentação dos que pedem dinheiro a quem passa, seja de carro ou a pé. Nessa horas, como explica a educadora social do Programa Criança Fora da Rua, Dentro da Escola, Lucilene Teixeira de Melo, 42 anos, os familiares “reagem com agressividade contra o educador social que se aproxima”.
Isso não é à toa, como destaca o sociólogo Domingos Abreu. Afinal, como detalha, os pais entram no dilema em relação ao custo/benefício de enviar os jovens às vias para garantirem um trocado e, assim, sua permanência nas casas. Com isso, a possibilidade de retirar a renda da criança e entregá-la a um programa social, torna-se um bom negócio para ser desperdiçado.
“Quando vejo os amarelinhos (educadores sociais do Estado) saio correndo. Mudo de rua, vou para algumas menos movimentadas e não falo com eles por nada nesse mundo. Tenho medo de perder meus filhos. Uma amiga minha teve os filhos levados para um abrigo e nunca mais os viu”, revela a pedinte profissional, Regina Clara Lima, 36 anos.
Para não modificarem a situação, as famílias chegam a atirar pedras nos educadores para afastá-los, conforme descreve Nei Robson, do Ponte de Encontro da Funci. “Tem uma senhora que já jogou pedra na gente, para não falarmos com as crianças que ela leva para rua. Em geral, não temos resistência dos jovens não. Até porque, criança é criança, gosta de brincar e aprender”, cita.
MARIA DEUSINA FREIRE BARROS - Os pais incentivam os filhos e os papéis às vezes se invertem
Supervisora do Núcleo de Enfrentamento à Violência e Programa Criança Fora da Rua, Dentro da Escola
Hoje, em Fortaleza, uma média de quantas crianças está em situação de rua?
Desde o início da atuação do Programa Criança Fora da Rua, Dentro da Escola, em 1996, os educadores sociais já abordaram 11.312 crianças e adolescentes na mendicância.
O que mais incentiva as crianças a irem às ruas?
O que com muita freqüência leva é a falta de condição financeira da família. Os adultos estão desempregados e fazendo apenas biscates. A família termina encaminhando os filhos para mendigarem porque as crianças sensibilizam os que ´dão trocados´ e isto faz com que voltem no outro dia.
Em relação à mendicância, em geral são os pais que mandam? A baixa escolaridade deles contribui?
Os pais incentivam, permitem, cobram muitas vezes dos filhos e os papéis às vezes se invertem. As crianças e adolescentes ficam responsáveis pelo sustento da família. Alguns acompanham os filhos até os pontos de mendicância e ficam a distância, só acompanhando a movimentação. Os pais sem emprego e informações acham que é assim para sobreviver.
A que os jovens estão vulneráveis nas ruas? Onde se concentram os pedintes?
A maioria é do sexo masculino e na rua estão vulneráveis a riscos de rua como exploração econômica, assédio e exploração sexual, acidentes, raptos. A faixa etária de crianças e adolescentes mais freqüente é entre seis e 12 anos. A maioria concentra-se na Avenida Bezerra de Menezes, Centro da Cidade, Orla Marítima e Aldeota.
Que assistências são prestadas às famílias?
As famílias das crianças e adolescentes são visitadas. Conforme situação, são assistidos com cestas básicas, encaminhamentos para políticas de saúde, habitação, cidadania; engajamento na Bolsa Aprendizagem, podendo se estender. Todo um acompanhamento social é feito com visitas, palestras, oficinas, encaminhamentos, oficinas, cursos de capacitação.
Qual a diferença entre mendicância e trabalho infantil? Quais as punições?
Mendicância é a prática de pedir trocados, alimentos. Trabalho Infantil é quando estão vendendo bens como bombons, bolinhos, adesivos. Os adultos que incentivam essa prática estão sujeitos à punição, passando pela advertência e sentenças, como trabalho comunitário.
O que mais pode ser feito?
A sociedade poderia contribuir não dando esmolas. Os órgãos públicos podem efetivar políticas sociais que garantam a geração de emprego, condições de moradia, escola e creches que atendam a população e incentivar a capacitação e garantia do primeiro emprego aos jovens.
Fonte: diariodonordeste
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